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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

POSTURAS E COSTUMES NA ROÇA DE CANDOMBLÉ

Este texto de mãe Marta de Oba, retrata um pouco um dos assuntos básicos de uma casa de orixá.
Com suas características próprias de acordo com sua nação, este texto pode ser adaptado e se voltar à realidade das outras nações de matrizes afro-brasileiras .
Boa Leitura:

'Posturas e Costumes   Na  Casa  de  Santo'



"Quando propus o debate e comentários desse tema, foi com a intenção de refletirmos um pouco mais sobre as práticas e o abandono de alguns costumes que venho observando de uns tempos para cá, não somente nas casas de origem angola-conguense, como em outras denominações do candomblé. Costumes estes que, no meu entendimento, enriquecem os nosso cultos e se tornam um diferencial motivador para que possamos galgar degraus de elevação dentro de nossas Casas, à medida que ficamos mais velhos, tanto em nossa idade cronológica de nascimento, quanto em nossa idade de renascimento para a “Vida de Santo”. Fugir destas práticas e hábitos, me deixa uma sensação de colocar a carroça na frente dos burros, sem um fundamento que justifique isto.
O candomblé, independentemente de qual seja a Nação, é uma religião iniciática, que pauta e valoriza em seus costumes o princípio da hierarquização dos diversos postos existentes em cada família religiosa, além de se caracterizar como uma religião que, milenarmente, transmite, através dos detentores dos conhecimentos, os fundamentos através da oralidade, quer sejam eles os mais basilares, até os mais complexos. Uma outra característica é quanto aos mistérios e magias que estão nos seios de nossos rituais, praticados em nossas casas, sem contar o encanto, beleza e esplendor que são gerados pelos nossos Minkisi e, como tal, não empolgam somente os membros de cada Roça, mas também incentivam, a cada dia, milhares de pessoas que circulam no mundo profano que, maravilhadas por este clima grandioso, buscam seus engajamentos nestas casas, tornando-se membros efetivos das Roças-de-Santo junto com outros milhares de companheiros de nossa religião, com o objetivo final de serem iniciados nestes mistérios e mundo dos deuses do panteão afro-brasileiro.
O aumento do número de pessoas que a cada ano passam a integrar os quadros das diversas Roças, se faz independentemente dos novos adeptos serem ou não descendentes de nossos irmãos do continente africano. São admitidas no seio de nossas Casas-de-Santo pessoas de qualquer raça, de várias camadas sócio-econômicas, de credo religioso anterior que possuem dogmas diferentes dos nossos, de estados civis variados, sem limite de idade cronológica e de ambos os sexos. Devido a isto, temos que ter consciência e sermos flexíveis para o entendimento de que muitos destes, trazem consigo, vícios comportamentais, que no mundo profano ou no seio de outras religiões possam ser considerados normais, mas que se comparados aos nossos costumes e rituais, constituem-se em verdadeiros antagonismos aos conceitos básicos que fundamentam nossa religião.
Apesar de nossas cerimônias, quer sejam públicas ou reservadas, serem normalmente revestidas de um clima alegre, principalmente pela beleza dos cânticos que contam parte da história e estória de nossos antepassados e deuses, merecem por parte de todos um elevado grau de seriedade e comprometimento, sem contar a dedicação necessária para a eterna busca responsável do saber acerca dos mistérios que envolvem nossos ritos.
Desde a condição de neófito que o integrante de uma Casa-de-Santo adquiri no momento de sua admissão na sua nova família espiritual, passando pela sua iniciação e aprendizado a cada ano que completa aniversário como iniciado, até a possibilidade de assumir postos mais elevados dentro desta hierarquia, é necessário que o adepto do candomblé tenha a consciência de que é necessário ser um bom filho-de-santo e que esta condição será eterna, pois por mais velhos que sejamos comparativamente a data de nossa iniciação, sempre seremos um munzenza para o nosso Nkisi. E durante todo esse eterno tempo de aprendizado é necessário o verdadeiro entendimento sobre os costumes, hábitos, responsabilidades e deveres que a nós são impetrados por força de nossos fundamentos religiosos.
Desta forma, a tônica encontrada nos seios das casas de candomblé de que os mais velhos sempre têm razão, poderia eu dizer que está certo em quase sua totalidade. Fato que podemos compreender bastante bem quando reunimos alguns anos de iniciado. Identicamente a frase de que “um bom filho ou filha será um bom pai ou mãe”, tem toda a minha apreciação e aprovação. Quem não deu valor e nem passou pelos “sacrifícios do período de munzenza”, com certeza não saberá dar valor ao período como Kota.
Antes de se poder falar em hierarquia, costumes, posturas e hábitos no centro das comunidades candomblecistas, temos que mais do que entender, sentir o real significado do que é “SER FEITO PARA O SANTO”.
É saber entender a religiosidade do ato em si, onde a parte divina existente dentro de todos nós floresce libertando o nosso ancestre num perfeita harmonia conosco, estabelecendo uma comunhão espiritual perfeita, capaz de nos revelar as belezas da natureza, capaz de nos fazer entender a importância de nos conduzirmos com retilinidade na vida espiritual e civil, capaz de nos mostrar o valor que possui os nossos semelhantes, capaz de nos dar dimensão do grau de importância da Raiz onde fomos iniciados e nossa obrigação em defendê-la sempre e continuamente, capaz de nos mostrar que somos uma criatura com semelhança do Criador e, finalmente, capaz de nos revelar o quanto somos importantes no mundo que habitamos e quanto poderemos ser importantes no mundo que habitaremos após a nossa morte, quando assumiremos outras responsabilidades, inclusive com os nossos descendentes.
Se conseguirmos atingir tais entendimentos e sentimentos, aí sim, poderemos dizer que FOMOS FEITOS COMPLETAMENTE e que nossa parte foi feita a contendo. Aí poderemos ter a certeza que atingimos os objetivos de se FAZER O SANTO, ou seja, conseguiremos manter perpetuados honrosamente a memória ancestral e estaremos renascidos como pessoas mais energizadas, melhores como seres humanos, fortes para enfrentar as adversidades do dia-a-dia de forma segura e com tenacidade e sempre em busca do sucesso e das realizações pessoais e espirituais, não se excetuando, obviamente, o foco na necessidade de manter o espírito de solidariedade e ajuda ao próximo, quer seja ele de nossa irmandade, quer seja ele fora do nosso ciclo religioso.
Entender o propósito dos costumes e posturas adequadas de uma casa-de-santo e conhecer a si mesmo e a importância de ser um iniciado. É ter bem definido o seu propósito de saber que você é e o que representa para sua família espiritual. É saber de onde você se originou no mundo profano e onde você está e onde você irá chegar no seu mundo religioso, pois estas questões não nasceram dentro das Casas de Candomblé aqui no Brasil, mas sempre foram os pilares de sustentação das sociedades religiosas de nossa Mãe África, onde nossos ancestres sempre denotaram e manifestaram suas vontades de estarem o mais próximos da natureza e de seus ancestrais e como estes servem de intermediários entre nós e o Deus Supremo. Sem contar a incessante vontade de melhor entender o que seja o Criador e seus poderes; de entender como nosso mundo foi criado e quais os princípios que o regem em relação ao mundo espiritual. Com certeza esses entendimentos nos ajudam, sobremaneira, a entender, mas claramente a importância da hierarquia, posturas e costumes na vida cotidiana de uma Casa de Candomblé.
Por todas estas questões é que, nós seres humanos, no propósito de perpetuar e divulgar o quanto é belo fui o momento da divinização de nossos Minkisi, é que criamos os rituais que transformaram a RELIGIÃO CANDOMBLÉ numa religião de características iniciáticas e secretas, com o objetivo de que nossos Deuses, que habitam o nosso ser interior, surja manifestado como um ancestre divino que o é. Daí, como toda instituição que é regida por sistemas piramidais, surge as matrizes hierárquicas, onde as diversas camadas desta entidade se distinguem e diferem através de postos assumidos e as respectivas responsabilidades, deveres e competências de cada indivíduo, surgindo, daí, os títulos, cargos, formas de compensação (não financeira), diferenças no modo de se vestir, limites de autoridades, prerrogativas de direito, etc.
Retorno um pouco ao início de meus comentários, por que não será possível entendermos e aceitarmos a importância da hierarquia, dos costumes a serem seguidos e as posturas a serem assumidas, se no momento de nossas iniciações nada disso for ensinado de forma espontânea e sem obrigatoriedades (de forma natural) e, por sua feita, sem que possamos compreender e apreender todo esse significado. Infelizmente, tenha observado em algumas de nossas casas co-irmãs do culto Angola-Congo, a iniciação de pessoas que ficam recolhidas por períodos extremamente pequenos, fugindo aos preceitos básicos que nos ensinou os mais velhos e Kimbandas e Sobas do continente africano, quando nestas ocasiões, já se começa a perder a oportunidade de demonstrar essa importância, dando um exemplo inadequado do que seja uma verdadeira iniciação e seus significados.
Um outro ponto que ao meu ver dificulta o entendimento sobre a importância da hierarquia, costumes e posturas é que na Mãe África, o culto religioso se mistura rotineiramente com a vida civil e este primeiro é realizado no seio das famílias consangüíneas, onde o respeito ao mais velho é uma tônica evidente e um estímulo para que os mais novos perseguiam os caminhos do respeito para que, um dia, também se tornem um “Velho Respeitado”. Já no Brasil, a prática é bem diferente, onde a iniciação dos adeptos do candomblé não obedecem à linhagem de família consangüínea, salvo algumas raízes, que mesmo aceitando pessoas estranhas aos laços de família civil, ainda, assim, respeitam a forma de perpetuar a hierarquia dando posse aos cargos mais elevados e de direção, somente aos parentes desta família civil.
Retomo o momento da iniciação como sendo o primeiro período onde começa a ficar definido a importância dos costumes, hábitos, posturas a serem assumidas, pois no período de recolhimento, o qual não deixa de ser uma alusão ao período de gestação, nos é mostrado o quão sublime é esta hierarquia. Nos é mostrado o quanto somos dependentes e carentes de ensinamentos, carinho e orientações. É neste período que começamos a entender de onde viemos, onde estamos, para onde estamos caminhando e o porque estamos indo e para que direção. Parece-me que neste momento a tão necessária hierarquia se torna bem clara, assim como os costumes e posturas que devemos assumir, lembrando, sempre, só teremos um bom ensinamento nas mãos daqueles que nos criam e que foram muito bem criados, pois não se pode dar aquilo que não se tem.
O período de iniciação é tão importante para que entendamos o significado da hierarquia, costumes e posturas, que é nele onde o neófito começa a dar os seus primeiros passos para o entendimento do que é a Mãe Natureza no seu sentido religioso. É nele que o postulante ao cargo de Munzenza começa a aprender os princípios basilares de nossos Minkisi e de Nzambiapongo. É neste período que começamos a entender e aprender os “Ingorossis” de nossa Raiz, os seus costumes, os princípios que regem nossa família espiritual, quem são as dignidades dessa família/raiz, as formas adequadas quanto às condutas de comportamento perante aos irmãos e visitantes, quer sejam no dia-a-dia ou em dias de festividades públicas e internas. É neste período é que começamos a ter os primeiros contatos e conhecimentos sobre quais as características e particularidades de cada um de nossos Deuses e as respectivas “kijilas”. É neste período que começamos a aprender quais os costumes e procedimentos que devem ser evitados sob qualquer pretexto, com vistas a evitar a desarmonia e a quebra dos costumes religiosos que distinguem nossa Raiz e que a fazem majestosa.
Um alerta quanto a tudo comentado até agora deve ser feito, principalmente que se opta por abraçar o culto dos Minkisi como nossa religião. Obviamente quando começamos a participar de uma comunidade, a exemplo do que são as Casas de Candomblé, onde, indiscutivelmente existem regras claras e bem definidas quanto modelo hierárquico, seus costumes, valores e posturas que têm de ser assumidas, tudo isso nos remete a mudança de algumas posições pessoais que adquirimos ao longo de nossa vida civil, o que não podemos desprezar como sendo difícil, além do que todas mudanças, salvam raros exemplos, sempre trazem sentimentos de receio do desconhecido e ansiedades, angústias, impotências e vontade de desistir a percorrer o nosso caminho dentro da religião. Daí, também a importância de trazermos os ensinamentos que adquirimos em nossas vidas civis, aprendidos no seio de nossas famílias consangüíneas, onde os códigos de ética, educação e respeito, são extremamente importantes e que ajudarão no entendimento do que seja hierarquia sadia, posturas sadias e costumes sadios, eliminando obstáculos, mudando paradigmas e sabendo aceitar que nem sempre o simples é menos grandioso. Ou seja, a boa condição de convivência e ensinamentos de nossos pais, ajudam ou pioram muito a forma de se conduzir no novo meio religioso do neófito.
Costumo dizer que “CANDOMBLÉ É MEIO DE VIDA E NÃO MEIO DE MORTE” e creio que cada um dos Minkisi que carregamos conosco passa a ter um papel muito importante neste momento de aprendizado na nova vida religiosa que escolhemos no momento de nossas iniciações. Eles são os verdadeiros exemplos a serem seguidos, pois a todo o momento, mesmo na condição de “DEUSES”, nos ensinam maravilhosamente bem o que é a hierarquia sem a submissão nociva, o que é a humildade com grandiosidade, o que é o respeito com a civilidade, o que é o castigo sem dor e, principalmente, o que é o verdadeiro amor sem o interesse. Vai, aí, mais uma prova de como é importante e necessário que pratiquemos e respeitemos os costumes, posturas e modelos hierárquicos que nos são transmitidos e vivenciados através dos comportamentos e histórias de nossos deuses ancestrais. Se eles como perfeitos deuses e nossos guardiões os exercitaram e vêm exercitam todos esses hábitos, inclusive quando manifestados em nossas cabeças, por que, como simples seres humanos, deveremos não praticá-los?. Não seria antagônico e contraditório?
Se verificarmos os contos, lendas, histórias, estórias sobre a criação do mundo, nas diversas versões dos povos de origem banto, vemos claramente toda essa hierarquia, formas de agir, responsabilidades, costumes, particularidades e tudo mais que, guardada as devidas proporções, ainda encontramos em nossas Casas-de-Santo e que ajudam significativamente na administração de nossos templos e das pessoas que neles convivem. Cabe lembrar, também, que através dessas lendas e contos, observamos que, muita das vezes, quando essa hierarquia, posturas e costumes eram quebrados, nossos Deuses, através de suas representatividades como caçadores, reis, ajudantes, curandeiros, etc., utilizavam-se de recursos corretivos, que podemos traduzir como castigos, guerras, sacrifícios e penalidades, tudo em nome da manutenção dos princípios que norteiam a hierarquia, posturas e costumes, que tanto questionamos em prol de algumas arrogâncias que mantemos e por medos que inventamos como escudos para as nossas incompetências e falta de humildade. Assim, por analogia, podemos concluir que se plagiarmos nossos Minkisi nos modelos que eles praticam acerca da hierarquia, posturas e costumes no seio de nossas Casas de Candomblé, estaremos demonstrando nossa fé, crença e religiosidade sobre tudo que está relacionado a eles. Obviamente que toda a fé em nossos Minkisi pode ser demonstrada de forma isolada, mas candomblé sem culto coletivo não existe e, mesmo que existisse, assim mesmo teríamos que ter postura hierárquica com o nosso Nkisi e este com o Deus Criador.
Uma outra reflexão que podemos fazer a respeito da hierarquia religiosa, seus costumes e posturas que devem ser seguidos pelos adeptos do Candomblé, é quando nos remetemos aos tempos da escravatura em nosso país. Nas senzalas podiam ser encontradas pessoas com etnias diferentes, que por uma questão de sobrevivência, deixaram de lados suas diferenças, inclusive aquelas que faziam parte de suas rivalidades tribais, como meio de sobrevivência frente ao tratamento que recebiam de seus “donos” europeus. Ali, naquele espaço físico, onde as práticas de desagregação e degeneração da espécie humana era praticada abusivamente, não se deixou de preservar a hierarquia, os costumes e posturas originárias das terras que foram o berço das civilizações.
Foi no calar da noite que as senzalas construídas no Brasil se transformavam num exemplo típico de uma nova sociedade que nascia com o respeito à hierarquia sacerdotal, mesmo quando a Igreja Católica tentava impor o evangelho cristão aos nossos irmãos negros. Foi nas senzalas que, com toda essa organização hierárquica, nasceram, ainda sem uma consciência ordenada, as primeiras Raízes do nosso Candomblé, através das irmandades de escravos existente até os dias atuais.
Foi nas senzalas que ocorreram as maiores trocas culturais da religião africana, que independentemente de serem de origem banto ou nagô, sempre pautaram em suas organizações pelos princípios hierárquicos e posturais, que foram trazidos com cada africano que aqui aportou e desses com transmissão para seus descendentes.
Saindo do campo filosófico e/ou estórico sobre a hierarquia sacerdotal, os costumes e posturas a serem assumidas pelos membros das Casas de Santo, gostaria de fazer alguns comentários relacionados à praticidade desses comportamentos a serem assumidos no dia-a-dia das Casas de Santo. Para tanto, constatamos que existe, na prática, toda uma estrutura de valores e comportamentos desempenhados nas comunidades do candomblé, que permitem a evolução e acesso de todos os seus membros a posições que variam desde a base da pirâmide até o seu topo. Assim, podemos, de uma forma simplificada, dividir esta estrutura piramidal, observada normalmente, em três grupos, que confirmam a hierarquia que muita das vezes é questionada:

1) GRUPO DOS NEÓFITOS (NDUMBE)
Aqui encontramos as pessoas que estão aguardando o momento de se iniciarem e receberem os chamados “fundamentos” de nossa religião.
2) GRUPO DOS INICIADOS (MUNZENZAS E MUNANZENZAS)
Este é o grupo das pessoas iniciadas e que estão habilitadas a começar a percorrer a longa estrada de sua vida religiosa. É neste grupo que é iniciado os primeiros passos atingindo as graduações através do cumprimento das “Obrigações de Tempo de Iniciação”.
3) GRUPO DOS MAIS GRADUADOS (KOTAS)
Este é o grupo das pessoas que possuem 7 ou mais anos de iniciados e que estão com suas “Obrigações” em dia. Nele podemos encontrar pessoas que têm ou não cargos assumidos dentro da comunidade candomblecista, ou seja, os Tatas Kimbanda, os Tatas Kambondo, as Nenguas, as Makotas e todas as suas derivações.

Como podemos constatar no dia-a-dia de nossas casas, todo essa malha hierárquica sacerdotal demanda responsabilidades individuais e coletivas, períodos de adaptação e ensinamentos, deveres, obrigações e regalias estratificadas que, por conseqüências, trazem em seus bojos, os costumes e posturas peculiares a cada posição assumida. Assim, com o objetivo de podermos fazer um comentário prática, podemos adotar, de forma didática e apenas para exemplificação, algumas posturas e costumes:
- Nossa religião não possui um “Livro Sagrado”, a exemplo de outras religiões e seitas. Tem por característica a transmissão dos ensinamentos através da prática e oralidade. Esta particularidade demonstra não haver um modelo de avaliação para aqueles que receberam os ensinamentos. Dependerá única e exclusivamente de cada um de nós o tempo para retermos as informações que nos forem dadas. Sem contar que somos conhecedores que o fator dedicação, interesse e confiabilidade são extremamente importantes para que possamos receber mais ou menos informações, haja vista que nossos rituais e fundamentos são considerados iniciáticos e secretos. Assim, podemos constatar, mais uma vez, que a condição postural é muito necessária para aqueles que desejam galgar posições hierarquicamente superiores em nossas comunidades.
- Se fizermos uma análise do período que compreende desde a condição de neófito, passando pelas fases que vão desde a iniciação até se completar o período de sete anos desta, podemos verificar que este serve para o aprendizado sobre quem são os Minkisi, suas danças e cantigas, suas lendas. Serve, ainda, para o aprendizado acerca das obrigações, deveres e responsabilidades que fazem parte do conjunto de tarefas de cada ano de iniciação. Serve para se aprender os significados sobre os diversos espaços físicos e sacralizados de uma Casa-de-Santo. Serve para aprimorar os conhecimentos sobre a genealogia da Raiz a que pertence e suas principais autoridades e dignidades. Serve para se conhecer melhor as formas e posturas assumidas no trato de nossos Minkisi e dignidades do candomblé em seus respectivos postos. Serve para o aprofundamento do conhecimento de nossos dialetos e rezas. Desta forma, vemos, mais uma vez, a importância da hierarquia e a prática constante dos costumes e posturas a serem assumidas em cada ocasião e de forma eterna.
- Uma outra demonstração de que os costumes, práticas, posturas e hierarquia se fazem presentes e necessárias em todas as instituições iniciáticas a exemplo do que é o candomblé, é a consideração que se faz ao tempo de iniciação e as “Obrigações Pagas” em seus respectivos tempos. É só observar a maneira de como nossas “Rodas” são compostas em dias de “Toque”, ou seja, os mais velhos na roda ou rodas de dentro e os mais novos na roda ou rodas de fora, obedecendo aos tempos de iniciação. Quer dizer que um munzenza com um ano de iniciado tem suas obrigações, deveres, prerrogativas, formas de se vestir e usar paramentos, forma de se dirigir às pessoas mais novas e mais velhas, como um munzenza de um ano de iniciado e assim por diante, valendo a mesma regra para os que tem 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou mais anos de iniciação.

Cabe ressaltar que um iniciado com 30 anos de iniciado, por exemplo, mas que só tenha “pago” sua “Obrigação de Três Anos”, suas obrigações, deveres, prerrogativas, formas de se vestir e usar paramentos, forma de se dirigir às pessoas mais novas e mais velhas, deverá ser de um munzenza com três anos de iniciado, mesmo tendo trinta de “feitura”. Este costume é muito comum, pelo menos nas Raízes mais antigas e mais bem organizadas, independentemente da Nação a que pertença.
- Também na prática diária de nossas Casas-de-Santo, vemos o quanto é importante à hierarquia sacerdotal, quando observamos a divisão das tarefas na administração das “Roças”, quer sejam elas domésticas ou rituais, tais como trabalhos de cozinha, limpezas do espaço físico, arrumação e separação de animais, cuidados com a indumentária própria e dos Minkisi, etc. Vemos como tônica que um Kota que não soube ou aprendeu as tarefas e costumes de Munzenza, nunca será um “Bom Mais Velho”. O que podemos observar que o mais afoitos e que queimam etapas de sua trajetória religiosa, acabam se frustrando como Kotas ou alijados de alguns processos dentro de suas próprias casas, ou não sendo reconhecidos, verdadeiramente, nas comunidades co-irmãs e, convenhamos que é muito desagradável e desabonador que um munzenza fique isolado ou não seja respeitado convenientemente em virtude de seu comportamento ou por estar desalinhado com os costumes e posturas pertinentes ao seu tempo de iniciado. Isto não descredibiliza somente a ele, mas a religião como um todo.
Ainda dentro da linha de exemplificação, muitos outros assuntos poderão ser levantados dentro da proposta lançada por mim para a reflexão e debate dos irmãos e que também fazem parte deste tema central. Senão vejamos:
a) CHEGADA NA CASA-DE-SANTO
Parece-me de bom costume que o filho-de-santo, independentemente do seu tempo de iniciado, entre na “Roça” e fique em local reservado para “Esfriar o Corpo” (exemplo: uns 15 a 20 minutos) e bebendo um pouco de água fresca. Logo depois, tomar o seu banho de asseio, seguido de banho litúrgico (variável de casa para casa) e, depois, colocar a roupa litúrgica específica para ocasião e dentro dos costumes pertinentes ao sua idade de iniciado.
Banho tomado e roupa trocada, cumprimentar ritualisticamente aos Minkisi da Casa e os locais de “Firmeza”. Feito isso, iniciam-se os cumprimentos às dignidades presentes, começando pelas mais antigas de iniciação até os de sua idade. Terminado, os mais novos do que aquele que chegou, vão cumprimentá-lo. Cabe lembrar que os cumprimentos aos mais velhos deve iniciar pelo Zelador/Zeladora da Casa.
Os cumprimentos deverão ser em conformidade com os nossos rituais, ou seja, em posição de “debulé” ou “dobale”, batendo makó, beijando a mão e solicitando que o mais velho nos abençoe na forma dialética da nossa Raiz. Atenta-se para o detalhe que não se cumprimenta seus familiares religiosos ou dignidades de outras Raízes de pé ou com a cabeça alta. Isto só é aceitável em condições igualitárias da hierarquia sacerdotal, ou seja, ndumbe com ndumbe, Munzenza com Munzenza com o mesmo tempo de iniciação e todos os tipos de Kota, com ou sem cargo, com o mesmo tempo de iniciação.
Lembrem-se que tomar a benção a um mais velho não é somente uma obrigação, mas UM DIREITO ADQUIRIDO por todos que fazem parte de uma Casa-de-Santo. O direito que temos de receber de uma pessoa mais velha de iniciação, que nos abençoe naquele momento.

b) PRESENÇA JUNTO AOS MAIS VELHOS

Não se passa entre duas pessoas mais velhas, por exemplo, quando estão conversando, sem que antes se peça licença de forma ritualística e de acordo com os costume da Raiz a que pertença, sempre de cabeça inclinada, num gesto de respeito (NÃO SUBMISSÃO).
Não se senta em condição de igualdade e na mesma altura que pessoas mais velhas de iniciação, a não ser em condições de excepcionalíssima necessidade e com a devida permissão. Lembre-se que a CADEIRA é um mobiliário que faz parte das tradições e hierarquia de nossas comunidades. Por mais presunção que seja de minha parte, o contrário também vale, ou seja, um mais velho se juntar aos mais novos de forma contumaz e corriqueira. Isso o estimulará a não compreender o que é hierarquia e quando ele estiver com o mesmo tempo de iniciação que o seu, não se sentirá prestigiado quando o mesmo acontecer com ele. Isso não é ser pedante nem ter humildade, mas saber mostrar ao mais novos, ESPONTANEAMENTE, COM EDUCAÇÃO e SIMPLICIDADE a importância de ser mais velho e que hierarquia é para ser praticada. Sentar-se à mesa com o Zelador/Zeladora, desnecessário detalhar que somente aqueles que possuem “Cargo” (e confirmados) e as dignidades que o Zelador/Zeladora convidar.
O gesto de servir alimentos e bebidas é privilégio e obrigação das filhas-de-santo que são iniciadas para Minkisi considerados como energias femininas. Munzenzas do sexo masculino, porém com Nkisi “feminino” não serve nos almoços, jantares, cafés da manhã, somente munzenzas do sexo feminino, iniciadas para Nkisi de “energia feminina”. Aos iniciados do sexo masculino deverão estar destinados os trabalhos mais pesados, com, por exemplo, as faxinas do caramanchão e terreno da Roça, a limpeza dos quartos-de-santo e todas as tarefas que necessitem de força mais bruta.
É de boa prática que copos de bebidas (água, refrigerantes, café, etc.) sejam servidos aos mais velhos ou visitantes ilustres, com um prato ou bandeja sob a base do copo, caneca, xícara, etc.
Fumar na presença de mais velhos e visitantes é terminantemente proibido. Apor cinzeiros sobre as cadeiras dos mais velhos ou dos Minkisi é ato de falta gravíssima. Dentro dos “quartos sacralizados”, entendo que não merece nem comentários a respeito.
Em dia de festividades e no momento de distribuição dos alimentos, é de bom tom que se dê preferência a que os visitantes sejam primeiramente servidos, principalmente aqueles que se destacam como dignidades comprovadas, em retribuição a honra que eles nos fizeram pelas suas presenças.
O uso de bebidas alcoólicas dentro de uma Casa-de-Santo, quer seja em dia de festividades ou não, se for utilizada, deverá ser com o máximo de moderação. Lembrar que aqueles que estão de “obrigação”, assim como os nossos Minkisi merecem o máximo de nosso respeito e, com toda certeza, bebida alcoólica não faz um bom par com Nkisi.
Se não solicitado, um irmão mais novo não tira e nem faz conclusões e nem dá opiniões em roda de irmãos mais velhos. Quantos de nós já não presenciamos ou vivenciamos situações constrangedoras a esse respeito e, em algumas ocasiões, com pessoas que não fazem parte de nossas casas?
c) IDUMENTÁRIA, ADEREÇOS, SÍMBOLOS E OBJETOS SAGRADOS.
A indumentária religiosa é um dos fatores que fazem a distinção e mostram a posição hierárquica assumida por uma pessoa dentro da Casa-de-Santo, de acordo com as tradições. Essa distinção é feita tanto em nosso país como em terras africanas. No Brasil, por questões culturais e que também foram absorvidas pelos costumes europeus, tomaram características diferentes daquelas do continente africano, mas, mesmo assim, formaram um modelo que diferenciam desde o Ndumbe até a mais alta dignidade de sua Casa.
Roupas limpas e bem passadas, são condições indiscutíveis em qualquer condição da hierarquia sacerdotal. Os homens devem estar trajados de “Roupa de Ração”, ou seja, calças amarradas com cadarço e camisas com mangas (podendo ser camiseta). Algumas casas dão preferência ao tecido do tipo morim, fustão e cretone, variando de casa para casa. O uso deste tipo de vestimenta deverá ser destinado para os rituais internos. O uso de bermudas e “shorts” não fazem parte de nossos rituais. O uso de batas deve ser destinado aos que possuem 7 ou mais anos de iniciação e com suas “Obrigações” em dia e correspondente a esta idade.
O uso de roupas coloridas não é proibitivo aos iniciados com menos de 7 anos, porém deve obedecer aos critérios da Casa que, normalmente liberam este tipo de estamparia em dias de festividades, dependendo de que tipo é este comemoração. A cor branca sempre é bem aceita em qualquer tipo de ocasião e ritual.
Quanto às mulheres, JAMAIS DEVEM USAR CALÇAS COMPRIDAS dentro da Casa-de-Santo. Os cauçolões devem estar sob as saias.
Uma Ndumbe deve usar poucas anáguas. À medida que é iniciada e vai ganhando tempo de iniciada, o número de anáguas vai aumentando.
O uso de chinelos deverá ser após ter completado e pago a “Obrigação de Três Anos”. As Kotas poderão usar sapatos com saltos e maquiagem, porém a discrição, o bom senso e o bom gosto, combinados, não fazem mal algum para escolha destes complementos, pelo contrário, tornam harmoniosa a imagem da pessoa.
O pano-de-cabeça é obrigatório para os filhos-de-santo do sexo feminino, independentemente se for de Santo Masculino ou Santo Feminino. Em conjunto com o pano-de-cabeça, indispensável o uso do pano-da-costa, que deverá estar com um laço em forma de borboleta para as iniciadas de Santo Feminino e em forma de gravata para as iniciadas de Santo Masculino.
Aos iniciados com mais de 7 anos e com “Obrigação” paga, será permitido o uso de brincos (do tipo: argolas, búzios, corais, monjolos, dependendo do Nkisi para que foi iniciada), da mesma forma a permissão para o uso de pulseiras e braceletes.
As filhas-de-santo que têm permissão para usarem a Bata, deverão estar com seus panos-da-costa colocados na altura do peito ou arrumados na altura da cintura, porém, nunca em forma de faixa enrolada na cintura, pois não é o costume certo e nem elegante para a vestimenta. A quem defenda, em casas mais antigas e tradicionais que o pano-da-costa deverá estar sobre o peito ou na cintura, quando da participação da filha-de-santo em trabalhos ritualísticos. Caso contrário, em dias de festividades, o pano-da-costa deverá estar sobre o ombro direito, caindo para frente e para trás. O pano-da-costa é uma peça do vestuário feminino indispensável para qualquer ocasião que se esteja na Roça-de-Santo ou em visita a uma outra Casa. Talvez seja ele e o pano-de-cabeça sejam as peças mais tradicionais da indumentária feminina em nossos candomblés, oriundo de terras africanas, enquanto o camisu e as anáguas fazem parte do legado dos costumes europeus.
A dixisa, tanto utilizada em nossas casas jamais devem ser arrastadas pelo chão. Sobre ela não se fuma e nem se bebe bebida alcoólica. Elas fazem parte do conjunto de objetos sagrados de nosso culto. Os membros da casa do sexo feminino devem carregar as esteiras debaixo do braço e os de sexo masculino devem carregá-las sobre o ombro. As mulheres iniciadas para Minkisi de “energia feminina” é que devem esticar as esteiras para o dobale de seus irmãos do sexo masculino. Somente em último caso que as mulheres de “santo masculino” estendem as esteiras para os seus irmãos realizarem o dobale.
Às filhas-de-santo é proibido utilizarem os atabaques para tocarem ou mesmo removê-los de seus locais. Da mesma forma a regra serve para outros instrumentos do tipo gã (ganzá), berimbau, reco-reco, xequerê, maracá e outros. Esta atividade é destinada aos Kambondos, confirmados para este fim.
Todos os filhos da Casa, independentemente do tempo de iniciado, ao passarem na frente das cadeiras dedicadas aos Minkisi, atabaques ou pessoas mais velhas, devem fazê-lo abaixando o corpo.
A formação da roda de filhos-de-santo que estarão dançando para os Minkisi deve seguir a hierarquia dos anos de iniciação e postos ocupados na Roça. Não devemos esquecer que a dança também faz parte dos nossos rituais e louvação aos nossos ancestrais, numa forma de reverenciá-los e reviver suas passagens por nossas terras. Sair da roda sem um motivo justificado denota uma falta de respeito e pouco caso com os nossos deuses.
Bem meus irmãos, acho que me empolguei demasiadamente a respeito deste assunto e me tornei prolixo, para o que peço desculpas pela extensão do texto aqui apresentado. Sei também que poderia continuar apontando outros pontos mais que por si só justificariam a necessidade de continuarmos mantendo e sustentando a defesa de que a postura e os costumes ensinados pelos nossos mais velhos e que hoje estamos abandonando em nome de uma igualdade inexistente, fazem parte das tradições afro-brasileiras e só enriquecem os nossos cultos, ao contrário de muitos de irmãos nossos que pelo Brasil afora estão confundindo educação e tradição com anarquia.
Finalmente, há que se chamar à atenção para que os mais velhos sempre tenham em mente que a hierarquia sacerdotal serve para diferenciar os tempos de iniciação, mas que jamais deverão servir aos propósitos da humilhação de seus irmãos mais novos. Que a hierarquia, posturas e costumes servem para ser utilizados entre os componentes de uma comunidade e nunca de nós para com os nossos Minkisi. Para estes, seremos sempre munzenzas, e que bom que seja assim, pois desta forma seremos sempre agraciados por suas dádivas, orientações e ensinamento".

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